domingo, 13 de março de 2011

Brasileiro de corpo e alma


Todas as imagens que revelam essas ambigüidades moram no Museu Afro Brasil. Mais de 2 mil obras - esculturas, pinturas, fotografias, documentos, livros, vídeos, instalações, artesanato, tecidos, roupas e adornos - estão expostas num dos locais mais nobres do país: o Pavilhão Manoel da Nóbrega, projetado por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

As culturas africana, indígena e européia, impregnadas nas peças de arte, de religiosidade, de festa e de tortura, mostram aspectos importantes da mestiçagem brasileira. Mais de 500 anos de história dialogam com os visitantes. Dialogam porque não são apenas obras para ver, é possível igualmente escutar, como as vozes do navio negreiro.

Inaugurado em novembro de 2004, o museu é principalmente resultado do esforço de seu criador e diretor, Emanoel Araujo, escultor, professor de arte da Universidade de Nova York, filho de Ogum, ex-diretor da Pinacoteca do Estado e ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo.

O acervo foi coletado com obstinação durante mais de 20 anos, desde que o pesquisador se impôs essa missão ética e estética, "amplamente sentimental", de acordo com ele próprio, surgida a partir de três experiências pessoais.
A primeira foi uma visita à Nigéria, onde conheceu os "agudás", descendentes de escravos brasileiros que voltaram à África. A segunda, a convivência com o etnólogo Waldeloir Rego, profundo conhecedor da cultura afro-brasileira.

E, por último, a raiva que sentiu quando viu de perto as diferenças entre a população negra norte-americana e a brasileira, durante sua permanência de dois anos como professor convidado na Universidade de Nova York. "Esta foi uma experiência muito doída para mim. Eu estava convivendo com uma sociedade na qual, apesar de todo o preconceito, os negros alcançaram uma escala social muito importante. O Brasil, sob esse aspecto, andou para trás. A angústia tomou conta de mim", relata.
Munido desse misto de raiva e angústia, antes de planejar e executar o museu, o curador realizou algumas exposições temáticas. Entre elas, A Mão Afro-Brasileira (1988); Os Herdeiros da Noite (1995); Arte e Religiosidade no Brasil - Heranças Africanas (1997); Negro de Corpo e Alma (integrante da Mostra do Redescobrimento - Brasil 500 Anos, em 2000); Para Nunca Esquecer - Negras Memórias / Memórias de Negros (2001).

Esses e outros temas roteirizam o Afro Brasil como fios condutores. A equipe de educadores se dedica, por exemplo, a um curso para professores do ensino fundamental e médio sobre História da África e Cultura Afro-Brasileira, agora uma exigência curricular. Na proposta pedagógica estão sendo implementadas também as visitas monitoradas com públicos diversos: crianças, adultos e idosos. É importante ressaltar que, diferentemente de outros congêneres, a visita ali é gratuita.
Segundo a professora Maria Lúcia, um dos propósitos inéditos já se revela no nome. "Não é afro-brasileiro; é afro Brasil porque não fala apenas do negro ou do afro-brasileiro, fala do Brasil para os brasileiros com o olhar do negro."

Reproduzindo o imaginário nacional, o projeto destaca as raízes, a mestiçagem e o sincretismo, bens adquiridos que não devem ser descartados, sem esconder a violência sobre a qual eles se produziram. Há desde peças criadas na África, passando pelo período colonial brasileiro, até obras de arte contemporânea.
A implantação do museu recebeu patrocínio da Petrobras.

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