domingo, 13 de março de 2011

Soma de Demandas


Do lado do mercado globalizado, há a tendência de que o produto, além de dar lucro, associe sua imagem a uma idéia de cosmopolitismo. As empresas estão percebendo que há um potencial de consumo que foge dos modelos hegemônicos construídos pela cultura ocidental, com relação ao cabelo, à cor da pele, ao uso do corpo.
Há quem se posicione contra essa exposição, alegando que, no fundo, ela ilumina uma imagem inacessível para grande parte da população. É certo que a maioria dos afro-brasileiros não tem acesso aos produtos que uma revista como "Raça", por exemplo, anuncia. Ou que a propaganda acaba escondendo mais do que revelando. E há quem considere que os efeitos são positivos porque detonam um processo de transformação, de auto-imagem positiva.
Ao lado do Estado e do mercado, é muito relevante a atuação das organizações políticas e culturais. A política formal está mudando, analisa o professor do Departamento de Antropologia da USP Vagner Gonçalves da Silva, "porque não se trata mais de apenas reger direitos e deveres; trata-se também de olhá-los de acordo com as culturas que constroem formas de tradição e formas de compreensão do mundo".
Além das reivindicações de direitos, essa atuação micropolítica comporta grupos voltados para a cultura negra e a religiosidade. "Recentemente", lembra Vagner Gonçalves, "houve um revival do folclore negro, enfocando expressões que estavam em ampla decadência, como congada, samba-de-roda, etc. O Sesc de São Paulo tem um trabalho fundamental nesse sentido, sobretudo em sua unidade da Pompéia."
Nesse contexto se coloca um problema que é de reflexão e de ação prática. Como é possível construir uma idéia de Estado universal se temos de contemporizar as diferenças existentes, sejam de cultura ou as que se referem à biologia dos corpos? A tendência internacional é de criar legislações diferenciadas para necessidades específicas, como no caso das cotas para negros, para mulheres, para deficientes. Ou então são as reparações a agressões de um povo em relação a outro, como acontece com os judeus.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em viagem oficial à África, pediu perdão pela escravização dos africanos. É claro que não foi seu governo o responsável, mas não podemos esquecer que a população brasileira é herdeira tanto da chibata do senhor quanto da dor do escravo torturado. E com esse paradoxo temos de nos haver.
Para alguns críticos, atrelar a conquista de direitos políticos à visibilidade cultural é o mesmo que reintroduzir o racismo num país no qual essa questão estava debaixo do tapete, ou criar um racismo invertido. Por outro lado, para muitos, como o pesquisador Vagner Gonçalves, "é melhor que a questão seja colocada às claras".
Tudo o que se refere ao afro-descendente tem raízes e conexões que se espalham pelo planeta. Envolve fatos e contextos ainda em grande parte expulsos dos livros escolares. O surpreendente é que, mesmo que extra-oficialmente, a realidade "raspada" das páginas da história ganha visibilidade. Através de pesquisas científicas e artísticas, de novas leis e de novos personagens, antigas faces, velhos dados estão sendo recuperados.

0 comentários:

Postar um comentário